Cena do Devi Mahatmya em que Kali surge a partir da ira de Durga,
saindo de seu terceiro olho, para derrotar o demônio Raktabija.
A força criadora de Deus, corporificada pela Deusa Kali, é celebrada e invocada durante o Kali Puja, cerimônia de reverências que em 2025 acontece em 20 de outubro. O festival anual é comemorado principalmente na região de Bengala, norte da Índia, e ocorre simultaneamente ao Diwali, o festival de luzes. Adorar Kali é adorar a conquista do bem sobre o mal, o mesmo intuito do Diwali, que simboliza a vitória da luz sobre a escuridão, por isto, o dia de Kali Puja/Diwali é duplamente auspicioso.
O intrincado folclore hindu atribui à energia feminina de Deus toda a criação material. Esta Energia Primordial é chamada de Adya Shakti e encarnou-se no mundo como inúmeras deidades femininas que adornam o panteão indiano, como Kali, Durga, Narayani, Maheswari, Lakshmi, Jagaddhatri e muitas outras. O culto à Mãe Divina reverencia a manifestação do mundo material, gerado no Grande Ventre cósmico de Adya Shakti.
Em Kali, Adya Shakti é saudada como a energia que destrói os ímpios e consagra os pios, os devotos que a reconhecem como a senhora do tempo, capaz de destruir e regenerar. Sua iconografia assustadora, adornada com cadáveres, reflete o aspecto feroz da energia, a que consome tudo. É Kali que reina kala [o tempo e a morte]. As saudações à Kali e à Adya Shakti trazem compreensão mais aprofundada sobre a energia criadora de Deus e sua atuação, ora como a mãe que nutre, ora como a feiticeira Maya e seus encantos.
Kali se manifesta a partir do terceiro olho de Durga durante o embate desta contra o demônio Raktabija. Aparecendo no mundo material devido à ira de Durga, Kali é a energia que surge para derrotar a iniquidade. Kali e Durga são Adya Shakti.
Os hinos Kalika Ashtakam [Oito Hinos à Kalika] e Adya Stotram são indicados para se aproximar da energia da potência feminina de Deus, Sua eterna e inseparável Shakti, compreendendo suas projeções e disfarces. A recitação de tais hinos rende frutos como o cessar do medo, coragem espiritual, prosperidade, proteção e presença da Mãe Divina.
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Shakti Yantra
Hino composto por Sri Adi Shankaracharya sobre a deusa Kalika. O Kalika Ashtakam é um hino sânscrito de oito versos dedicado à Deusa Kali, a forma feroz e protetora da Mãe Divina. Este texto devocional concentra-se nos poderosos aspectos de Kali como destruidora do mal e protetora dos devotos. Ao contrário das orações a formas mais gentis da deusa, este ashtakam aborda a aparência sombria e aterrorizante de Kali, entendendo que sua natureza feroz representa a proteção divina e a destruição das forças negativas. Os oito versos descrevem a iconografia distinta de Kali – sua tez morena, cabelos soltos e desgrenhados, guirlanda de cabeças e sua dança no peito de Shiva. Essas imagens dramáticas carregam um profundo significado simbólico sobre a superação da morte, do tempo e da ignorância espiritual. O hino progride por diferentes aspectos de seu poder, desde sua aparência física até seu papel como destruidora cósmica de demônios e forças malignas. Cada verso enfatiza tanto sua força aterrorizante quanto sua proteção compassiva aos devotos sinceros que buscam sua ajuda. O Kalika Ashtakam é especialmente popular em Bengala, Assam e outras regiões onde o culto a Kali é forte. Os devotos o recitam durante o Kali Puja, nas noites de lua nova e quando enfrentam dificuldades ou buscam proteção contra inimigos. O hino apela àqueles que precisam da intervenção feroz da deusa em suas vidas – seja para remover obstáculos, destruir influências negativas ou ganhar coragem para enfrentar desafios. O ashtakam serve tanto como uma prece por proteção quanto como um meio de se conectar com o poder transformador da Mãe Negra, que ajuda os devotos a superarem o medo e os obstáculos espirituais. (Fonte: shlokam.org)
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Meditação pré-oração:
1. Saudações à deusa Kalika.
Em seu pescoço está pendurada uma guirlanda de cabeças decepadas das quais escorre sangue. Ela faz um som terrível que revela seus dentes afiados, sua aparência é horrível de se olhar. Ela está desnuda e reside no crematório. Com o cabelo solto e livre (assim como é toda a sua aparência), seu ser manifesta o imenso desejo de se fundir a Mahakala* para levar os devotos além de samsara. Ela é Kalika, a grande deusa negra.
* [O termo pode designar tanto o marido de Kali, a deidade Mahakala, como também o Grande (maha) Tempo (kala), ou o tempo não-cíclico, da destruição e criação, que são poderes de Kali.]
2. Saudações à deusa Kalika.
Em seu par de mãos esquerdas, ela segura uma cabeça e uma espada (símbolos da morte). No par de mãos direitas, ela faz os mudras de vara (que concede bênçãos) e de abhaya (destemor), garantias de levar os devotos para o mundo além da morte. Seu torso bem desenhado fica ligeiramente curvado devido ao peso de seus seios. Seus lábios brilham avermelhados (a cor do sangue) e no canto da boca, um belo sorriso (da morte).
3. Saudações à deusa Kalika.
Seu par de brincos exibe os símbolos de cadáveres (a morte), e ela possui um lindo cabelo longo. Seu cinto reluzente na cintura é feito com mãos postas decapitadas de cadáveres. Ela está montada sobre uma plataforma de corpos e, ao redor, chacais uivam gritos de horror nas quatro direções. Em meio a isso tudo, reina Kali, a grande deusa negra.
Oração:
1. Saudações à deusa Kalika.
Viranchi (Sri Brahma) e os outros deuses da trindade [Vishnu e Shiva] escolheram os três gunas [atributos] de Kali como suas virtudes. Eles consideram Sri Kalika como sua deidade adorada e por isso se tornaram os pioneiros dentre os devas [deuses]. Tu és sem início, mas és o início de todos os devas (é o poder primordial que dá à luz aos devas). Tu és o início de todos os sacrifícios (o poder primordial para onde todas as oblações são direcionadas). Tu és o início de todos os mundos (o poder primordial que dá à luz aos mundos). Nem mesmo os devas conhecem sua natureza transcendental.
2. Saudações à deusa Kalika.
Tu és o poder que enfeitiça os mundos e és o poder que proclama o (ato de) falar. Tu és o poder que nutre os bondosos, e és o poder que destrói os inimigos (os maldosos). Tu és o poder que pode ultrapassar a fala, tu és o poder que pode erradicar a fala (que pode destruir o orgulho vão dos inimigos). Nem mesmo os devas conhecem sua natureza transcendental.
3. Saudações à deusa Kalika.
Tu podes conceder o céu (muita prosperidade) e depois, como uma trepadeira que concede desejos, preencher os desejos que nascem na mente, urdidos com grande devoção. Desta forma, o mundo é sempre grato a ti. Nem mesmo os devas conhecem sua natureza transcendental.
4. Saudações à deusa Kalika.
Tu obténs grande prazer ao beber sura (bebida que significa bem-aventurança transcendental) e ficas satisfeita com devotos sinceros. Tu sempre se manifestas no coração limpo de impurezas através do néctar da recitação dos nomes de Deus (japa), da meditação (dhyana) e de puja (adoração a Deus). Nem mesmo os devas conhecem sua natureza transcendental.
5. Saudações à deusa Kalika.
Tu és uma forma dentro do céu da consciência do regozijo espiritual e fazes sua presença ser sentida ao sorrir gentilmente. Sua forma é como a lua no céu de outono (da consciência espiritual) que reflete um milhão de raios contidos em ti. Os sábios e iluminados sentem sua presença dentro da caverna de seus corações [ou chidakasha, o “céu da consciência”, onde a consciência “reside” e Brahman “aparece”]. Nem mesmo os devas conhecem sua natureza transcendental.
6. Saudações à deusa Kalika.
Tu és negra como uma imensa nuvem, é também de um vermelho profundo, e branca. Muitas vezes, assumes várias formas através de sua Yogamaya [poder ilusório]. Tu não és nem uma menina, nem uma senhora e nem de nenhuma idade preenchida com desejos (a juventude). Nem mesmo os devas conhecem sua natureza transcendental.
7. Saudações à deusa Kalika.
Por favor, perdoe meus erros, uma vez que sua natureza portentosa escondida foi revelada a mim em meio ao mundo. Ela foi revelada pela natureza infantil (dentro de mim) que se purificou pela meditação em ti. Nem mesmo os devas conhecem sua natureza transcendental.
8. Saudações à deusa Kalika.
Aquele que lê este trabalho com devoção meditativa torna-se grandioso em todos os planos. Enquanto vive neste mundo, obterá os oito siddhis [poderes sobrenaturais] e, após a morte, atingirá a liberação. Nem mesmo os devas conhecem sua natureza transcendental.
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Adya Stotram
Shakti Yantra
O Adya Stotram é uma seleção com vinte versos sobre Adya Shakti, a energia primordial de Deus, revelada por Brahma a Narada Muni, seu filho e um eterno devoto de Vishnu. As descrições do poder criador encarnado como as divindades femininas aludem aos inúmeros nomes e formas de Deus. Com tantos nomes sagrados para referir-se à Mãe do Mundo, este hino recita os principais epítetos da Mãe Divina e sua atuação dentro do mundo fenomênico. Estes versos estão presentes no manuscrito Brahma Yamala Tantra, um dos mais antigos e importantes textos do Shaktismo.
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1. Om. Saudações reverenciais à Adya Maa.
Ó, meu filho, ouça-me recitar o Adya Stotram, que concede ótimos frutos. Aquele que o recita regularmente com devoção, certamente se tornará muito querido por Vishnu.
2. Saudações à Adya Maa.
Por ouvir este hino e meditar em Adya Shakti [energia primordial], o medo da morte e de doenças não existe minimamente nesta Kali Yuga. Uma mulher sem filhos obterá um filho se ouvir este hino e meditar em Adya Shakti por três pakshas (quinzenas lunares) consecutivamente.
3. Saudações à Adya Maa.
Uma pessoa se livra do aprisionamento em dois meses se ouvir este hino de um Vipra (um vidente) e meditar em Adya Shakti. A mãe cujo filho recém nascido sempre vem a falecer, torna-se uma mãe com filhos que sobrevivem se ouvir este hino por seis meses contínuos.
4. Saudações à Adya Maa.
Uma pessoa obtém vitória sobre os perigos do barco (quando navega na água), sobre situações difíceis na vida se, durante a batalha, ela recitar este Adya Storam e meditar em Adya Shakti. Tendo escrito este hino e estabelecendo-se no mundo com grande devoção, não mais haverá temor do fogo (destruição) e de ladrões (perda).
5. Saudações à Adya Maa.
Escrever este hino e estabelecer-se num local onde há reis (com grande devoção) torna uma pessoa sempre vitoriosa e agrada a todos os deuses. Om Hrim (ó, Adya Devi), tu és Devi Brahmani em Brahmaloka (a morada de Brahma), e tu és Devi Sarvamangala em Vaikuntha (a morada de Vishnu).
6. Saudações à Adya Maa.
Tu és Devi Indrani em Amaravati (a morada de Indra), e tu és Devi Ambika em Varunalaya (a morada de Varuna). Tu és da forma de Kala (morte) em Yamalaya (a morada de Yama), e tu és da forma de Devi Shubhaa (auspiciosidade) na morada de Kubera.
7. Saudações à Adya Maa.
Tu és Devi Mahananda, que preside o quadrante sudeste, e tu és Devi Mrigavahini, que preside o quadrante noroeste. Tu és Devi Raktadanta, que preside o quadrante sudoeste, e tu és Devi Shuladharini, que preside o quadrante nordeste.
8. Saudações à Adya Maa.
Tu és da forma de Devi Vaishnavi em Patala Loka (o submundo), e tu és como Devi Devamohini em Singhala (outro nome para o Sri Lanka). Tu és Devi Serasa em Manidwipa, e tu és Devi Bhadrakalika em Lanka.
9. Saudações à Adya Maa.
Tu és Devi Rameshwari em Setubandha (Rameshwaram), e tu és Devi Vimala em Purushottama Kshetra. Tu és Devi Viraja em Auddradesha (Odisha), e tu és Devi Kamakhya em Nilaparvata (Assam).
10. Saudações à Adya Maa.
Tu és Devi Kalika em Bengala, e tu és Devi Maheshwari em Ayodhya. Tu és Devi Anapurna em Varanasi, e tu és Devi Gayeshwari em Gaya.
11. Saudações à Adya Maa.
Tu és Devi Bhadrakali em Kurukshetra, e tu és a suprema Devi Katyayani em Vraja. Tu és Devi Mahamaya em Dwarka, e tu és Devi Maheswari em Mathura.
12. Saudações à Adya Maa.
Tu resides como o apetite em todos os seres (como Prana Shakti), e tu és a margem do oceano de samsara, que é o objetivo final de todos os seres. Tu és Navami durante Shukla Paksha (o nono dia da quinzena luminosa do calendário lunar), que significa um poder agressivo. E tu és o Ekadashi durante Krishna Paksha (o décimo primeiro dia da quinzena escura do calendário lunar), que significa alegria. Tu és, de fato, Paraa, a suprema acima de tudo.
13. Saudações à Adya Maa.
Ó Devi, tu és a filha de Daksha, o destruidor de Daksha Yagya (o sacrifício de Daksha). Tu és a adorável Devi Janaki de Sri Rama. Tu és, de fato, a aniquiladora de Ravana.
14. Saudações à Adya Maa.
Ó Devi, tu matastes os demônios Chanda e Munda, e tu és a destruidora de Raktabija. Tu és a matadora dos demônios Nishumbha e Shumbha, e és a matadora de Madhu e Kaitabha.
15. Saudações à Adya Maa.
Tu és Durga que concede Vishnu Bhakti (devoção a Vishnu). Sua presença sempre concede felicidade e liberação. Este Adya Stavam (hino de eulogia à Adya Devi) é auspicioso.
16. Aquele que o recita não temerá a febre (a doença) e obterá os frutos de ir a milhares de peregrinações. Não há dúvidas sobre isso.
17. Que Jaya me proteja pela frente, e que Vijaya me proteja por trás [eles eram os guardiões dos portões de Vaikuntha, a morada de Vishnu]. Que Narayani me proteja a cabeça e que Simhavahini proteja todo meu corpo.
18. A terrível e feroz Devi Shivaduti, a Deusa Suprema, está em todos meus angas (partes do corpo), assim como Vishalakshi, que é Mahamaya (a grande feiticeira), e Devi Kumari e Shankhini, a auspiciosa.
19. E também Chakrini, aquela com o chakra [a arma celestial], que dá suporte à Jayadhatri (a vitória), intoxicada em batalha (Ranamatta) e muito interessada em batalhas (Ranapriya). E também Durga, Jayanti (a sempre vitoriosa), Kali e Bhadrakali, possuidora do Grande Ventre (Mahodari) que contém todo o universo.
20. E também Narasimhi e Varahi, que concede siddhis (Siddhidatri) e felicidade (Sukhaprada). Aquela que é Maharaudri, a destruidora do grande medo.
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Traduzido para o português por Mariângela Carvalho
[N. do T.: As informações em colchetes são adendos do tradutor.]
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