Sunday, May 18, 2025

Mandukya Upanishad - português

Edvard Munch, O Sol, 1909


Sendo o mais curto dos Upanishads, o Mandukya, embora conciso em doze versos, traz a verdade última - Brahman - como a entidade que permeia nossos estados de consciência - e além. Neste manuscrito, aparece a denominação “O Quarto”, muito usada para tratar do estado de consciência que transcende a cognição. Os poucos versos têm profundidade abissal e são melhor compreendidos com a leitura de comentários (os bhashyas) e de outros Upanishads que elaboram melhor os quatro aspectos abordados, como o Paramahamsa Parivrajaka Upanishad e Yoga Chudamani Upanishad. 


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Om! Ó Devas, que possamos ouvir com nossos ouvidos aquilo que é auspicioso.

Que possamos ver com nossos olhos aquilo que é auspicioso, ó Vós, merecedores de adoração!

Que possamos desfrutar do período de vida concedido pelos Devas,

Louvando-os com nosso corpo e membros firmes!

Que o glorioso Indra nos abençoe!

Que o onisciente Sol nos abençoe!

Que Garuda, o raio contra o mal, nos abençoe!

Que Brihaspati nos conceda o bem-estar!

Om! Que haja Paz em mim!

Que haja Paz no ambiente!

Que haja Paz nas forças que agem sobre mim!



1. Tudo é a letra Om. Passado, presente e futuro nada são além de Om. Tudo que transcende esses três períodos do tempo também é Om. 


2. Tudo é, de fato, Brahman. Este Eu é Brahman. Este Eu, assim sendo, possui quatro aspectos.


3. O Eu alocado no estado de vigília é chamado de Vaishvanara, possui consciência do exterior, tem sete membros e dezenove bocas*, desfruta dos objetos densos [dos prazeres dos sentidos] - este é o primeiro quarto.


* Os sete membros se referem a: cabeça (céu), olhos (sol), o ar (prana), o coração (fogo), o ventre/estômago (água), os pés (terra) e o corpo (espaço). As dezenove bocas se referem aos instrumentos de conhecimento: cinco órgãos dos sentidos (indriyas), cinco órgãos de ação (bahya karana), cinco funções da respiração, junto com a mente, o intelecto, o coração e o ego (antah karana).


4. O Eu alocado no estado de sonho é chamado de Taijasa, possui consciência do interior, tem sete membros e dezenove bocas, desfruta dos objetos sutis [como os sonhos] - este é o segundo quarto.


5. Quando quem dorme não deseja nada para desfrutar e não tem sonhos, este estado é o sono profundo. O Eu alocado no estado de sono profundo é chamado Prajna, no qual tudo é unificado, tem a consciência densa, é repleto de bem-aventurança e que é, de fato, um desfrutador da felicidade e uma porta para o conhecimento (dos dois estados prévios) - este é o terceiro quarto.


6. Prajna é o Senhor de tudo, onisciente, o controlador interno de tudo, a fonte, a origem e dissolução de todos os seres.


7. O quarto aspecto é conhecido como aquilo que não é consciente do mundo exterior, nem consciente do mundo exterior, nem consciente de ambos os mundos, nem denso devido à consciência, nem de uma consciência simplória, nem de inconsciência, aquilo que não é visível, que não tem movimento, que é incompreensível, inferível, impensável, indescritível, cuja prova consiste na identidade do Eu (em todos os estados), no qual todos os fenômenos cessam, que é imutável, auspicioso e não dual. Este é o Eu, isso deve ser compreendido. 


8. Este mesmo Eu, compreendido como a sílaba Om, quando visto do ponto de vista das letras [que formam o Om, ou seja: a, u, m e silêncio], está dividido em quatro partes devido a suas quatro letras.


9. Vaishvanara, alocado no estado de vigília, é a primeira letra, a,  devido à sua completa pervasividade [o Um pervade tudo]. Aquele que sabe disso, certamente realiza todos os desejos e se torna também o primeiro.


10. Taijasa, alocado no estado de sonho, é a letra u, a segunda em Om, devido a ser similar [ao primeiro estado] em termos de excelência e também por sua posição intermediária. Aquele que sabe disso, certamente avança as barreiras de seu próprio conhecimento e se torna equânime com todos, e ninguém que não seja um conhecedor de Brahman nascerá em sua família.


11. Prajna alocado no estado de sono profundo é m, a terceira letra, porque ele é a medida, a entidade, em que tudo é absorvido. Aquele que sabe disso, mede tudo e absorve tudo.


12. Aquele que não tem letras (partes) é o Quarto, além da compreensão através de meios comuns, da cessação do mundo fenomênico, o auspicioso e o não-dual. Assim, o Om é certamente o Eu. Aquele que sabe disso, adentra o Eu pelo Eu. 


Om! Ó Devas, que possamos ouvir com nossos ouvidos aquilo que é auspicioso.

Que possamos ver com nossos olhos aquilo que é auspicioso, ó Vós, merecedores de adoração!

Que possamos desfrutar do período de vida concedido pelos Devas,

Louvando-os com nosso corpo e membros firmes!

Que o glorioso Indra nos abençoe!

Que o onisciente Sol nos abençoe!

Que Garuda, o raio contra o mal, nos abençoe!

Que Brihaspati nos conceda o bem-estar!

Om! Que haja Paz em mim!

Que haja Paz no ambiente!

Que haja Paz nas forças que agem sobre mim!


Aqui termina o Mandukya Upanishad, como contido no Atharva Veda


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Traduzido para o inglês por Vidyavachaspati V. Panoli

Traduzido para o portugues por Mariângela Carvalho

[N. do T.: As informações em parênteses são adendos do tradutor.]


Sunday, May 11, 2025

Sri Sarada Devi - A Mãe do Mundo

 


"A mãe é o primeiro guru", assim ensinam os Vedas. Com respeito e reverência, devemos sempre enaltecer as mães e o papel de criadoras que elas carregam. À parte o imenso carinho e devoção para delas com seus filhos, as mães também são a personificação da força e da proteção, assim, em mais um Dia das Mães, nada melhor do que celebrar a energia feminina de Deus, a potência criadora do universo, com uma breve leitura sobre a Santa Mãe Sri Sarada Devi, ela que é mãe de muitos discípulos monásticos e leigos, de aristocratas e desajustados, de loucos e santos. O texto é de Swami Bhuteshananda, que teve contato direto com a Santa Mãe por volta de 1918-19. 

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A Mãe do Mundo

Swami Butheshananda


Sri Ramakrishna sabia desde o princípio que Sri Ma teria que assumir o papel da Mãe do Mundo e que, através de seu papel da Mãe Universal, o Alakananda1 do ideal de Sri Ramakrishna fluiria imperturbável pelo mundo. A mãe da Mãe certa vez lamentou: “Com qual genro louco casei minha filha! Que tristeza, ela não tem vida familiar, não tem filhos e não ouve ninguém a chamando de mãe!”. Thakur então comentou: “Querida sogra, você não ficará desapontada com relação a isso. Sua filha terá tantos filhos, você verá em longo prazo, que o chamado aflito de ‘Mãe’ a deixará aturdida”. As palavras de Thakur se tornaram verdade, mas não literalmente, já que a Mãe nunca ficou aturdida, embora muitas pessoas a chamassem de “Mãe”. No imenso coração maternal da Mãe havia, há e haverá espaço o suficiente para todos seus incontáveis filhos. A Mãe não é uma mãe terrena que nutre apenas nossos corpos. Esta Mãe não é uma mãe apenas neste mundo, ela é a Mãe depois dele, ela é a Mãe sempre propícia. Tal maternidade divina de Sri Ma só foi formalmente despertada por Thakur em junho de 1872, na noite do Phalarini Kali Puja, ao adorá-la como Sodashi2. Antes do Puja, após fazer Sri Ma sentar-se no assento da deidade, Thakur pronunciou o mantra de invocação: “Ó Virgem eterna! Ó Mãe Tripurasundari, possuidora de todo o poder! Por favor, abra os portões da perfeição. Purifique o corpo e a mente dela, e manifeste-Se através dela pelo bem-estar de todos!”. Quanto mais debatemos sobre essa maternidade, mais percebemos a grandiosidade do papel da consorte do Yugavatara3 em seu trabalho de libertar o mundo.


A particularidade da maternidade da Mãe é que ela não estava confinada a qualquer limite. Ela era a mãe daqueles que viviam perto dela e a chamavam de “Mãe”. Da mesma forma, costumava considerar como seus filhos mesmo aqueles que viviam em terras distantes e que não podiam entrar em contato direto com ela. Era a época do movimento Swadeshi4. Algumas pessoas que moravam com ela tinham sentimentos muito intensos para com o Swadeshi. Foi uma dessas pessoas que certa vez comprou roupas para as parentes da Mãe. Ele comprou roupas artesanais feitas em teares, comuns àquela época, mas as mulheres queriam roupas inglesas feitas em fábricas. Ele falou: “Isso são peças estrangeiras, por que eu deveria comprá-las?”, a Mãe respondeu: “Meu filho, eles (os ingleses) também são meus filhos. Tenho que lidar com todos. Posso aguentar ser unilateral?”. O amor maternal da Mãe foi igualmente espalhado entre aqueles que eram estrangeiros aos nossos olhos ou que eram vistos com aversão por nós. Aos olhos dela, o ladrão Amzad era tão verdadeiramente seu filho quanto Swami Saradananda. Swami Saradananda era então o secretário do Mosteiro e Missão Ramakrishna e um firme sevaka5 da Mãe, sobre quem ela havia dito: “Apenas Sarat pode suportar meu fardo”. Sarat era tão verdadeiramente seu filho quanto o ladrão Amzad. Muitos dos estrangeiros que entravam em contato com a Mãe não sabiam a língua dela e não conseguiam conversar diretamente com ela. Porém, ao estarem na presença da Mãe, os olhares afetuosos dela enchiam seus corações de alegria. Eles podiam saborear aquele amor maternal. Com frequência, aceitamos ou rejeitamos uma pessoa após julgarmos seu caráter. Mas a Mãe nunca rejeitava ninguém. Ela não escolhia lugar, hora ou pessoa para derramar seu amor. Seu amor maternal fluía por toda parte igualmente. Isso é uma maravilha. Notamos tal particularidade do caráter da Mãe em um número de incidentes em sua vida.  Um jovem devoto que tinha recebido iniciação da Mãe extraviou-se. Ainda assim, ele continuava visitando a Mãe como antes. Outros devotos pediram que ela proibisse o jovem de vir até ela. A Mãe expressou seu profundo pesar pelo jovem, mas disse aos devotos: “Não posso proibi-lo. Por ser a Mãe, não posso dizer ‘não venha’ para meu filho”. Ela dizia: “Todos podem destruir, mas quantos podem construir? Qualquer um pode criticar e insultar um homem, quantos podem melhorá-lo?”. Ela dizia também: “Se meu filho rolar na terra e na lama, sou eu que terei que limpar toda a sujeira e pegá-lo no colo”.


Thakur fez esforços conscientes desde o início para instalar a Mãe no altar de sua maternidade. Para isso, ele a preparou completamente para todos os campos, em todos os aspectos. Começando com a vida espiritual até a vida secular, ele a treinou em todos os sentidos. E quando essa maternidade gradualmente aflorou, ninguém ficou mais feliz que ele. Isso aconteceu na época quando os companheiros de Thakur iam se reunindo lentamente aos seus pés em Dakshineswar. Um dia, Thakur disse à Mãe: “Se você der muita comida para Baburam, ele dormirá de noite. Como ele vai praticar sadhana e bhajan6?”. A Mãe respondeu: “Por que você se preocupa tanto por ele ter comido dois rotis a mais? Vou cuidar disso no futuro. Por favor, não brigue com eles por comida”. A Mãe costumava obedecer o que Thakur dizia sem lamentar. Mas aqui, Thakur queria invadir a esfera da maternidade dela. Foi por isso que ela não hesitou em desobedecer o comando de Thakur.


Mas Thakur não ficou insatisfeito com ela, ele ficou feliz. Porque ele queria justamente isso, ver a Mãe estabelecida em sua Maternidade. Outro incidente: a Mãe estava ficando no Nahabat, em Dakshineswar. Thakur estava em seu quarto. A Mãe costumava preparar a comida de Thakur e levar para ele ao meio-dia e à noite. Um dia, ela estava levando a comida quando uma devota, cuja moral era suspeita, disse para ela: “Mãe, por gentileza, dê para mim”. A Mãe não hesitou e deu o prato para ela. A mulher o colocou em frente de Thakur e saiu do quarto. Thakur sentou-se para comer e a Mãe sentou ao lado dele. Mas Thakur não conseguia tocar na comida, embora tentasse. A Mãe percebeu que Thakur era incapaz de comer. Ela pediu para que ele comesse aquela comida naquele dia de qualquer maneira. Mas ainda assim, Thakur não conseguia tocar na comida. Finalmente, devido aos pedidos dela, ele disse: “Prometa que daqui para frente, você não dará o prato para mais ninguém”. A Mãe então disse com as mãos postas: “Não posso prometer isso, Thakur. Eu mesma trarei a comida, mas se alguém pedir me chamando de ‘Mãe’, não poderei me conter. Além disso, você não é apenas o meu Thakur, você é de todos”. Thakur não ficou descontente ainda que suas palavras tenham sido desconsideradas. Ele notou que a influência da maternidade, que estava aflorando na Mãe, fazia com que ela rejeitasse até mesmo suas palavras. Isso era exatamente o que Thakur queria: vê-la instalada no altar de sua maternidade porque o amor de Thakur pela humanidade fluiria através daquele canal maternal. Nas palavras de Nivedita: “Sri Ramakrishna encheu um vaso com o amor que tinha pelo mundo e o deixou como emblema para todos seus filhos no mundo. A Mãe era este vaso, o cálice de néctar que contém o amor universal de Sri Ramakrishna”.


Swami Bhuteshanandaji (1901 - 1998) foi o décimo segundo Presidente da Ordem Ramakrishna. Este artigo é uma tradução do bengali feita por Swami Sumantrananda, de Belur Math, do livro Sri Ramakrishna Bhavadarshan, publicado pela Udbodhan Karyalaya, Calcutá. 


Notas:


1. Uma referência ao rio Alakananda que possui duas conotações: literalmente, um rio que surge nos Himalaias; mitologicamente, o rio Ganges que flui em Devaloka, o reino dos Deuses.  


2.   Um dos aspectos da Mãe Divina. 


3.  Literalmente, a Encarnação (avatara) desta era (yuga). Um dos muitos nomes atribuídos a Sri Ramakrishna.


4.  O Movimento Swadeshi, iniciado na Índia em 1905, promovia o uso exclusivo de produtos fabricados no próprio país e o boicote aos produtos de origem britânica.

 

5.    Aquele que executa serviço (seva) devocional.


6.    Disciplina espiritual e canto devocional, respectivamente.


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Traduzido para o português por Mariângela Carvalho

Mandukya Upanishad - português

Edvard Munch, O Sol, 1909 Sendo o mais curto dos Upanishads , o Mandukya , embora conciso em doze versos, traz a verdade última - Brahman - ...