Sunday, May 18, 2025

Mandukya Upanishad - português

Edvard Munch, O Sol, 1909


Sendo o mais curto dos Upanishads, o Mandukya, embora conciso em doze versos, traz a verdade última - Brahman - como a entidade que permeia nossos estados de consciência - e além. Neste manuscrito, aparece a denominação “O Quarto”, muito usada para tratar do estado de consciência que transcende a cognição. Os poucos versos têm profundidade abissal e são melhor compreendidos com a leitura de comentários (os bhashyas) e de outros Upanishads que elaboram melhor os quatro aspectos abordados, como o Paramahamsa Parivrajaka Upanishad e Yoga Chudamani Upanishad. 


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Om! Ó Devas, que possamos ouvir com nossos ouvidos aquilo que é auspicioso.

Que possamos ver com nossos olhos aquilo que é auspicioso, ó Vós, merecedores de adoração!

Que possamos desfrutar do período de vida concedido pelos Devas,

Louvando-os com nosso corpo e membros firmes!

Que o glorioso Indra nos abençoe!

Que o onisciente Sol nos abençoe!

Que Garuda, o raio contra o mal, nos abençoe!

Que Brihaspati nos conceda o bem-estar!

Om! Que haja Paz em mim!

Que haja Paz no ambiente!

Que haja Paz nas forças que agem sobre mim!



1. Tudo é a letra Om. Passado, presente e futuro nada são além de Om. Tudo que transcende esses três períodos do tempo também é Om. 


2. Tudo é, de fato, Brahman. Este Eu é Brahman. Este Eu, assim sendo, possui quatro aspectos.


3. O Eu alocado no estado de vigília é chamado de Vaishvanara, possui consciência do exterior, tem sete membros e dezenove bocas*, desfruta dos objetos densos [dos prazeres dos sentidos] - este é o primeiro quarto.


* Os sete membros se referem a: cabeça (céu), olhos (sol), o ar (prana), o coração (fogo), o ventre/estômago (água), os pés (terra) e o corpo (espaço). As dezenove bocas se referem aos instrumentos de conhecimento: cinco órgãos dos sentidos (indriyas), cinco órgãos de ação (bahya karana), cinco funções da respiração, junto com a mente, o intelecto, o coração e o ego (antah karana).


4. O Eu alocado no estado de sonho é chamado de Taijasa, possui consciência do interior, tem sete membros e dezenove bocas, desfruta dos objetos sutis [como os sonhos] - este é o segundo quarto.


5. Quando quem dorme não deseja nada para desfrutar e não tem sonhos, este estado é o sono profundo. O Eu alocado no estado de sono profundo é chamado Prajna, no qual tudo é unificado, tem a consciência densa, é repleto de bem-aventurança e que é, de fato, um desfrutador da felicidade e uma porta para o conhecimento (dos dois estados prévios) - este é o terceiro quarto.


6. Prajna é o Senhor de tudo, onisciente, o controlador interno de tudo, a fonte, a origem e dissolução de todos os seres.


7. O quarto aspecto é conhecido como aquilo que não é consciente do mundo exterior, nem consciente do mundo exterior, nem consciente de ambos os mundos, nem denso devido à consciência, nem de uma consciência simplória, nem de inconsciência, aquilo que não é visível, que não tem movimento, que é incompreensível, inferível, impensável, indescritível, cuja prova consiste na identidade do Eu (em todos os estados), no qual todos os fenômenos cessam, que é imutável, auspicioso e não dual. Este é o Eu, isso deve ser compreendido. 


8. Este mesmo Eu, compreendido como a sílaba Om, quando visto do ponto de vista das letras [que formam o Om, ou seja: a, u, m e silêncio], está dividido em quatro partes devido a suas quatro letras.


9. Vaishvanara, alocado no estado de vigília, é a primeira letra, a,  devido à sua completa pervasividade [o Um pervade tudo]. Aquele que sabe disso, certamente realiza todos os desejos e se torna também o primeiro.


10. Taijasa, alocado no estado de sonho, é a letra u, a segunda em Om, devido a ser similar [ao primeiro estado] em termos de excelência e também por sua posição intermediária. Aquele que sabe disso, certamente avança as barreiras de seu próprio conhecimento e se torna equânime com todos, e ninguém que não seja um conhecedor de Brahman nascerá em sua família.


11. Prajna alocado no estado de sono profundo é m, a terceira letra, porque ele é a medida, a entidade, em que tudo é absorvido. Aquele que sabe disso, mede tudo e absorve tudo.


12. Aquele que não tem letras (partes) é o Quarto, além da compreensão através de meios comuns, da cessação do mundo fenomênico, o auspicioso e o não-dual. Assim, o Om é certamente o Eu. Aquele que sabe disso, adentra o Eu pelo Eu. 


Om! Ó Devas, que possamos ouvir com nossos ouvidos aquilo que é auspicioso.

Que possamos ver com nossos olhos aquilo que é auspicioso, ó Vós, merecedores de adoração!

Que possamos desfrutar do período de vida concedido pelos Devas,

Louvando-os com nosso corpo e membros firmes!

Que o glorioso Indra nos abençoe!

Que o onisciente Sol nos abençoe!

Que Garuda, o raio contra o mal, nos abençoe!

Que Brihaspati nos conceda o bem-estar!

Om! Que haja Paz em mim!

Que haja Paz no ambiente!

Que haja Paz nas forças que agem sobre mim!


Aqui termina o Mandukya Upanishad, como contido no Atharva Veda


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Traduzido para o inglês por Vidyavachaspati V. Panoli

Traduzido para o portugues por Mariângela Carvalho

[N. do T.: As informações em parênteses são adendos do tradutor.]


Sunday, May 11, 2025

Sri Sarada Devi - A Mãe do Mundo

 


"A mãe é o primeiro guru", assim ensinam os Vedas. Com respeito e reverência, devemos sempre enaltecer as mães e o papel de criadoras que elas carregam. À parte o imenso carinho e devoção para delas com seus filhos, as mães também são a personificação da força e da proteção, assim, em mais um Dia das Mães, nada melhor do que celebrar a energia feminina de Deus, a potência criadora do universo, com uma breve leitura sobre a Santa Mãe Sri Sarada Devi, ela que é mãe de muitos discípulos monásticos e leigos, de aristocratas e desajustados, de loucos e santos. O texto é de Swami Bhuteshananda, que teve contato direto com a Santa Mãe por volta de 1918-19. 

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A Mãe do Mundo

Swami Butheshananda


Sri Ramakrishna sabia desde o princípio que Sri Ma teria que assumir o papel da Mãe do Mundo e que, através de seu papel da Mãe Universal, o Alakananda1 do ideal de Sri Ramakrishna fluiria imperturbável pelo mundo. A mãe da Mãe certa vez lamentou: “Com qual genro louco casei minha filha! Que tristeza, ela não tem vida familiar, não tem filhos e não ouve ninguém a chamando de mãe!”. Thakur então comentou: “Querida sogra, você não ficará desapontada com relação a isso. Sua filha terá tantos filhos, você verá em longo prazo, que o chamado aflito de ‘Mãe’ a deixará aturdida”. As palavras de Thakur se tornaram verdade, mas não literalmente, já que a Mãe nunca ficou aturdida, embora muitas pessoas a chamassem de “Mãe”. No imenso coração maternal da Mãe havia, há e haverá espaço o suficiente para todos seus incontáveis filhos. A Mãe não é uma mãe terrena que nutre apenas nossos corpos. Esta Mãe não é uma mãe apenas neste mundo, ela é a Mãe depois dele, ela é a Mãe sempre propícia. Tal maternidade divina de Sri Ma só foi formalmente despertada por Thakur em junho de 1872, na noite do Phalarini Kali Puja, ao adorá-la como Sodashi2. Antes do Puja, após fazer Sri Ma sentar-se no assento da deidade, Thakur pronunciou o mantra de invocação: “Ó Virgem eterna! Ó Mãe Tripurasundari, possuidora de todo o poder! Por favor, abra os portões da perfeição. Purifique o corpo e a mente dela, e manifeste-Se através dela pelo bem-estar de todos!”. Quanto mais debatemos sobre essa maternidade, mais percebemos a grandiosidade do papel da consorte do Yugavatara3 em seu trabalho de libertar o mundo.


A particularidade da maternidade da Mãe é que ela não estava confinada a qualquer limite. Ela era a mãe daqueles que viviam perto dela e a chamavam de “Mãe”. Da mesma forma, costumava considerar como seus filhos mesmo aqueles que viviam em terras distantes e que não podiam entrar em contato direto com ela. Era a época do movimento Swadeshi4. Algumas pessoas que moravam com ela tinham sentimentos muito intensos para com o Swadeshi. Foi uma dessas pessoas que certa vez comprou roupas para as parentes da Mãe. Ele comprou roupas artesanais feitas em teares, comuns àquela época, mas as mulheres queriam roupas inglesas feitas em fábricas. Ele falou: “Isso são peças estrangeiras, por que eu deveria comprá-las?”, a Mãe respondeu: “Meu filho, eles (os ingleses) também são meus filhos. Tenho que lidar com todos. Posso aguentar ser unilateral?”. O amor maternal da Mãe foi igualmente espalhado entre aqueles que eram estrangeiros aos nossos olhos ou que eram vistos com aversão por nós. Aos olhos dela, o ladrão Amzad era tão verdadeiramente seu filho quanto Swami Saradananda. Swami Saradananda era então o secretário do Mosteiro e Missão Ramakrishna e um firme sevaka5 da Mãe, sobre quem ela havia dito: “Apenas Sarat pode suportar meu fardo”. Sarat era tão verdadeiramente seu filho quanto o ladrão Amzad. Muitos dos estrangeiros que entravam em contato com a Mãe não sabiam a língua dela e não conseguiam conversar diretamente com ela. Porém, ao estarem na presença da Mãe, os olhares afetuosos dela enchiam seus corações de alegria. Eles podiam saborear aquele amor maternal. Com frequência, aceitamos ou rejeitamos uma pessoa após julgarmos seu caráter. Mas a Mãe nunca rejeitava ninguém. Ela não escolhia lugar, hora ou pessoa para derramar seu amor. Seu amor maternal fluía por toda parte igualmente. Isso é uma maravilha. Notamos tal particularidade do caráter da Mãe em um número de incidentes em sua vida.  Um jovem devoto que tinha recebido iniciação da Mãe extraviou-se. Ainda assim, ele continuava visitando a Mãe como antes. Outros devotos pediram que ela proibisse o jovem de vir até ela. A Mãe expressou seu profundo pesar pelo jovem, mas disse aos devotos: “Não posso proibi-lo. Por ser a Mãe, não posso dizer ‘não venha’ para meu filho”. Ela dizia: “Todos podem destruir, mas quantos podem construir? Qualquer um pode criticar e insultar um homem, quantos podem melhorá-lo?”. Ela dizia também: “Se meu filho rolar na terra e na lama, sou eu que terei que limpar toda a sujeira e pegá-lo no colo”.


Thakur fez esforços conscientes desde o início para instalar a Mãe no altar de sua maternidade. Para isso, ele a preparou completamente para todos os campos, em todos os aspectos. Começando com a vida espiritual até a vida secular, ele a treinou em todos os sentidos. E quando essa maternidade gradualmente aflorou, ninguém ficou mais feliz que ele. Isso aconteceu na época quando os companheiros de Thakur iam se reunindo lentamente aos seus pés em Dakshineswar. Um dia, Thakur disse à Mãe: “Se você der muita comida para Baburam, ele dormirá de noite. Como ele vai praticar sadhana e bhajan6?”. A Mãe respondeu: “Por que você se preocupa tanto por ele ter comido dois rotis a mais? Vou cuidar disso no futuro. Por favor, não brigue com eles por comida”. A Mãe costumava obedecer o que Thakur dizia sem lamentar. Mas aqui, Thakur queria invadir a esfera da maternidade dela. Foi por isso que ela não hesitou em desobedecer o comando de Thakur.


Mas Thakur não ficou insatisfeito com ela, ele ficou feliz. Porque ele queria justamente isso, ver a Mãe estabelecida em sua Maternidade. Outro incidente: a Mãe estava ficando no Nahabat, em Dakshineswar. Thakur estava em seu quarto. A Mãe costumava preparar a comida de Thakur e levar para ele ao meio-dia e à noite. Um dia, ela estava levando a comida quando uma devota, cuja moral era suspeita, disse para ela: “Mãe, por gentileza, dê para mim”. A Mãe não hesitou e deu o prato para ela. A mulher o colocou em frente de Thakur e saiu do quarto. Thakur sentou-se para comer e a Mãe sentou ao lado dele. Mas Thakur não conseguia tocar na comida, embora tentasse. A Mãe percebeu que Thakur era incapaz de comer. Ela pediu para que ele comesse aquela comida naquele dia de qualquer maneira. Mas ainda assim, Thakur não conseguia tocar na comida. Finalmente, devido aos pedidos dela, ele disse: “Prometa que daqui para frente, você não dará o prato para mais ninguém”. A Mãe então disse com as mãos postas: “Não posso prometer isso, Thakur. Eu mesma trarei a comida, mas se alguém pedir me chamando de ‘Mãe’, não poderei me conter. Além disso, você não é apenas o meu Thakur, você é de todos”. Thakur não ficou descontente ainda que suas palavras tenham sido desconsideradas. Ele notou que a influência da maternidade, que estava aflorando na Mãe, fazia com que ela rejeitasse até mesmo suas palavras. Isso era exatamente o que Thakur queria: vê-la instalada no altar de sua maternidade porque o amor de Thakur pela humanidade fluiria através daquele canal maternal. Nas palavras de Nivedita: “Sri Ramakrishna encheu um vaso com o amor que tinha pelo mundo e o deixou como emblema para todos seus filhos no mundo. A Mãe era este vaso, o cálice de néctar que contém o amor universal de Sri Ramakrishna”.


Swami Bhuteshanandaji (1901 - 1998) foi o décimo segundo Presidente da Ordem Ramakrishna. Este artigo é uma tradução do bengali feita por Swami Sumantrananda, de Belur Math, do livro Sri Ramakrishna Bhavadarshan, publicado pela Udbodhan Karyalaya, Calcutá. 


Notas:


1. Uma referência ao rio Alakananda que possui duas conotações: literalmente, um rio que surge nos Himalaias; mitologicamente, o rio Ganges que flui em Devaloka, o reino dos Deuses.  


2.   Um dos aspectos da Mãe Divina. 


3.  Literalmente, a Encarnação (avatara) desta era (yuga). Um dos muitos nomes atribuídos a Sri Ramakrishna.


4.  O Movimento Swadeshi, iniciado na Índia em 1905, promovia o uso exclusivo de produtos fabricados no próprio país e o boicote aos produtos de origem britânica.

 

5.    Aquele que executa serviço (seva) devocional.


6.    Disciplina espiritual e canto devocional, respectivamente.


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Traduzido para o português por Mariângela Carvalho

Sunday, April 27, 2025

Paramahamsa Parivrajaka Upanishad

 

Hilma af Klint, O Cisne nº 1 - Group IX, 1914-15


Mais um título dentro dos Upanishads sobre a renúncia, este Paramahamsa Parivrajaka enaltece o errante (parivrajaka) paramahamsa, uma das mais altas categorias de renunciantes, aquele que se fidelizou a Brahman através do poder do Om, o Brahma-Pranava. Uma conversa entre Brahma e seu criador, Adinarayana (Vishnu), este Upanishad vem para reforçar o intuito do hamsa, ou “a alma migratória”, que vai atingindo níveis maiores de vairagya (desapego) e viveka (discernimento), vida após vida, até renunciar por completo. 

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Om! Ó Devas, que possamos ouvir com nossos ouvidos aquilo que é auspicioso.

Que possamos ver com nossos olhos aquilo que é auspicioso, ó Vós, merecedores de adoração!

Que possamos desfrutar do período de vida concedido pelos Devas,

Louvando-os com nosso corpo e membros firmes!

Que o glorioso Indra nos abençoe!

Que o onisciente Sol nos abençoe!

Que Garuda, o raio contra o mal, nos abençoe!

Que Brihaspati nos conceda o bem-estar!

Om! Que haja Paz em mim!

Que haja Paz no ambiente!

Que haja Paz nas forças que agem sobre mim!


1. Então, o Senhor Brahma, aproximando-se de seu pai, Adinarayana, o Ser Supremo, com reverências, disse: “Senhor, de Sua boca, todas as coisas que se referem à natureza das castas e ordens da vida foram ouvidas, conhecidas e compreendidas. Agora, desejo conhecer as características de um monge mendicante paramahamsa. Quem tem direito à renúncia? Quais as características de um monge mendicante? Quem é um paramahamsa? Como é sua mendicância? Fale sobre isso”. 

O Senhor Adinarayana então respondeu: “A pessoa que tem direito à renúncia é o sábio que passou pelo difícil caminho de aprender os saberes sagrados com um bom preceptor; compreendeu todo o esforço necessário para a felicidade neste mundo e no próximo; entendeu a necessidade de descartar, como se fosse vômito, os três primeiros desejos, as três primeiras inclinações (apego ao corpo, etc), o sentimento de posse e o egoísmo; concluiu os estudos como brahmacharin, que é a maneira de atingir o caminho da liberação, e que se tornou chefe de família. Depois do estágio de chefe de família, ele deve se tornar um habitante da floresta (vanaprastha) e depois renunciar à vida terrena. Como alternativa, ele pode renunciar a partir do estágio de celibatário, ou do estágio de chefe de família ou de habitante da floresta. Ou, sendo ele ou não um observador de votos, tendo completado os estudos, descontinuado seu ritual de fogo ou não mantido o fogo sagrado, ele deve renunciar no mesmo dia em que se desencantar com o mundo. Assim, descontente com todos os assuntos terrenos, seja como celibatário, chefe de família ou habitante da floresta, ele deve buscar a aprovação de seu pai, mãe, esposa, amigos próximos e, na ausência desses, de um discípulo ou companheiro de hospedagem, e então renunciar ao mundo”.


2. “Há prescrições a respeito de realizar o sacrifício chamado Prajapatya, no qual Brahma é a deidade que preside, antes que o duas-vezes-nascido abrace a renúncia. Porém, embora seja prescrito, ele pode não realizá-lo. Ele deve realizar apenas o sacrifício Agneyi, cuja deidade que presidente é Agni, o deus do fogo, uma vez que agni é o sopro vital (prana). Deste modo, ele fortalece este sopro vital. Depois, poderá realizar o sacrifício Traidhataviya, cuja deidade que preside é o deus Indra. Por este sacrifício, os três fluidos vitais, chamados sattva (sêmen), rajas (sangue) e tamas (o escuro), tornam-se fortes como o fogo. Tendo realizado o sacrifício desta maneira, ele deve inalar o fogo sagrado recitando o seguinte mantra: “Ó Fogo, este sopro vital é sua fonte; assim como nasceste no momento apropriado do ano, tu te  revestes de esplendor. Por conhecê-lo (o atma, sua fonte definitiva), é que tu te fundes ao prana, a fonte. Que tu consigas expandir tua riqueza de conhecimento transcendental”. Então, recitando este mantra, ele sentirá o cheiro do fogo e dirá: “Esta é a fonte do fogo, o sopro vital. Que tu chegues ao prana, que tu chegues à fonte. Swaha”. Assim diz o mantra. Tendo obtido o fogo sagrado na casa de um sábio védico bem versado, ele sentirá o cheiro do fogo da maneira descrita anteriormente. Se ele se afligir (por doença, por exemplo), ou não conseguir o fogo sagrado, deve oferecer as oblações na água, já que a água é presidida por todos os deuses. Recitando “Eu ofereço oblações a todos os deuses, Swaha”, ele executa a oblação e pega uma pequena parcela da oblação oferecida, que é misturada com ghee, e comerá, já que isso traz benefícios. No caso dos Kshatriyas [a casta dos guerreiros] e outros que não têm direito à renúncia, a regra é para que eles busquem pela liberação no caminho dos bravos (ao encarar a morte no campo de batalha), ou do jejum (até a morte, como uma disciplina espiritual), ou entrar na água para nunca mais sair, ou entrar no fogo, ou sair em uma grande jornada (na qual desfalecem por exaustão). Se ele se afligir por doença, poderá renunciar mentalmente ou pela palavra (com a recitação de mantras). Este é o caminho de sua renúncia. 


3. Uma pessoa saudável, que deseja renunciar ao mundo, no momento oportuno dos estágios da vida, deve executar a cerimônia de shraddha [em memória dos antepassados] sobre si mesma e o ritual de fogo para livrar-se das paixões (vraja homa). Deve infundir-se ao fogo ritualístico para que ele esteja simbolicamente presente em sua pessoa. Sua proficiência sobre os assuntos do mundo e sobre o aprendizado védico, assim como os quatorze meios de ação sob seu controle (karanas), devem ser simbolicamente transferidos para seu filho. Na ausência de um filho, deve ser passado para um discípulo; na ausência deste, pode ser transferido para seu atma. Ele deve então meditar em Brahman como idêntico a seu próprio Ser, pronunciando as palavras “Brahman és tu” e “O Sacrifício és tu”. A mãe-Veda, a sustentação da existência de Brahman e a personificação da essência de todo o aprendizado, deve ser oferecida às águas recitando as três vyahritis [palavras sagradas presentes nas recitações védicas que significam os três planos: Bhur (terra), Bhuvah (atmosfera) e Swaha (céu)], que devem ser entoadas como as letras a, u e m (Om) do Pranava. Ele deve então, cerimoniosamente, beber água mantendo a atenção em Pranava; arrancar o tufo de cabelo sussurrando Pranava; quebrar o cordão sagrado; desfazer-se das vestimentas deixando-as no chão ou nas águas; desnudado, recitar o mantra “Om Bhur Swaha, Om Bhuvah Swaha e Om Suvah Swaha”; meditar em sua própria forma; novamente recitar mentalmente, ou pronunciando o Pranava e as vyahritis separadamente, entoando três vezes as palavras de despedida: “Eu renunciei, eu renunciei, eu renunciei”, em tons gentis, médios e agudos; ater-se profundamente à meditação no Pranava e erguer sua mão dizendo: “Libertos do medo, a todos a partir de mim, Swaha”. Ele deve então partir para o norte ponderando sobre o significado de grandes versos espirituais, como “Eu sou Brahman”, “Tu és aquilo”, e permanecer em seu estado desnudo. Isto é renúncia. 


Se alguém não pode seguir esta forma de renúncia, deve recitar primeiramente a oração do chefe de família e depois os textos: “Liberdade do medo a todos os seres, todas as coisas emanam de mim, tu és meu amigo e me proteges. Tu és a fonte de força. Tu és o vraja (arma) de Indra que aniquilou o demônio Vritra. Seja uma bênção para mim. Previna aquilo que é pecaminoso”. Ao recitar este mantra precedido do Pranava, ele deve pegar o emblemático cajado de bambu, o jarro de água e vestir a faixa na cintura, a tanga e um manto ocre; depois, apresentar-se a um bom Guru, curvar-se a ele e receber da boca do Guru o ensinamento da escritura “Tu és aquilo”, precedido pelo Pranava. Depois, usará uma vestimenta maltrapilha, ou uma vestimenta de casca de árvore ou de pele de veado; evitará assentar-se à beira de um rio, para prevenir misturar-se às multidões. Deve banhar-se durante os três períodos prescritos, ouvir a exposição da Vedanta e praticar o Pranava; estar bem estabelecido no caminho da realização de Brahman; fundir seu desejo favorito no atma; livrar-se do “meu” e estabelecer-se no Eu; abandonar a paixão, raiva, ganância, ilusão, intoxicação, rivalidade, orgulho falso, egoísmo, intolerância, arrogância, desejos, ódio, enaltecer-se, impetuosidade, sentimento de posse, etc. Munido com sabedoria e desapego, deve deixar riquezas e mulheres, e possuindo uma mente pura, deve ponderar sobre as verdades de todos os Upanishads; dedicado especialmente a guardar o celibato, a não-posse, a atitude de dano ao universo e a veracidade; conquistar seus sentidos e livrar-se da afeição interna e externamente; procurar esmolas para sustentar o corpo, como se fosse uma vaca indefesa, com membros das quatro castas, exceto aqueles que são amaldiçoados e caídos; tal pessoa é considerada como merecedora da realização de Brahman. Ele deve ver a equanimidade no ganho e na perda de esmolas sempre; comer os alimentos, dados como esmola em vários locais, como uma abelha, usando as mãos como recipiente; não aumentar a gordura corporal e tornar-se magro; sentir que ele é Brahman; ir para um vilarejo para servir ao preceptor. Ele deve, firme na conduta, sair sozinho por alguns meses e não deve viajar com mais ninguém. Quando tiver atingido bom senso o suficiente (desapego), poderá se tornar um kutichaka ou um bahudaka, ou um hamsa ou um paramahamsa. Ao recitar os respectivos mantras, deve desfazer-se, na água, de sua faixa na cintura, tanga, cajado, jarro de água e prosseguir nu. Deve passar uma noite em um vilarejo, três noites em um local sagrado, cinco noites em uma cidade e sete noites em um local de peregrinação. Não deve ter residência fixa; ter a mente firme; não recorrer a um local com uma fogueira (para se aquecer); livrar-se das emoções; descartar tanto os rituais quanto os não-rituais; receber esmolas apenas para sustentar o corpo, com equanimidade com os ganhos e perdas, da mesma maneira que uma vaca; tomar água apenas num local com água [não carregar água consigo] e ter sua morada em um local solitário, livre de perturbação. Ele não deve pensar em ganho ou perda, mas estar interessado em erradicar as boas e más ações; dormir sempre no chão; descartar barbear-se; abandonar a restrição de observar chaturmasya [período de quatro meses que são propícios para as práticas espirituais], interessar-se profundamente na meditação pura; ser avesso a riquezas, mulheres e à vida na cidade; comportar-se como uma pessoa insana, embora seja perfeitamente são; não possuir emblemas ou distintivos de conduta; não ter sonhos, uma vez que dia e noite são o mesmo para ele; e ser muito atento ao caminho da meditação profunda em Brahman na forma de Pranava, investigando a natureza do Eu. Aquele que abandona seu corpo ao recorrer à renúncia é um monge mendicante paramahamsa. 


4. O Senhor Brahma perguntou a Narayana: “Senhor, o que é Brahma-Pranava?”. O Senhor Narayana respondeu: “O Brahma-Pranava consiste em dezesseis partes e é conhecido em quádruplos nos quatro estados (vigília, sono, etc.). No estado de vigília, há os quatro estados, por exemplo: a vigília dentro da vigília, a vigília dentro do sono, etc., isso é jagrat-jagrat; no estado de sonho, há os quatro estados, como a vigília dentro do sonho, etc., isso é swapna-jagrat; em sono profundo, há os quatro estados: vigília dentro do sono profundo, sonho dentro do sono profundo, etc., isso é sushupti-jagrat; no quarto estado, turiya, há os quatro estados: vigília em turiya, sonho em turiya, etc., isso é turiya-jagrat. No estado de vigília de difusão distributiva (vyashti) [individuação], há a quadruplicidade de Vishva, a saber, Vishva-Vishva, Vishva-Taijasa, Vishna-Prajna e Vishva-Turiya [essas são as quatro formas de Sri Vishnu e o conjunto é conhecido como a deidade que preside os Upanishads]. 


No estado de sonho da individuação, há a quadruplicidade de Taijasa [iluminado], como Taijasa-Vishva, Taijasa-Taijasa, Taijasa-Prajna e Taijasa-Turiya. No estado de sono profundo de Prajna [sabedoria], há a quadruplicidade de Prajna-Vishva, Prajna-Taijasa, Prajna-Prajna e Prajna-Turiya. No quarto estado, Turiya, há a quadruplicidade de Turiya, como Turiya-Vishva, Turiya-Taijasa, Turiya-Prajna e Turiya-Turiya. Todos eles formam as dezesseis partes. 


Na letra “a” (em Om, Aum), há Jagrat-Vishva, na letra “u”, Jagrat-Taijasa, na letra “m”, Jagrat-Prajna, no ardha-matra [meia lua no símbolo de Om] está Jagrat-Turiya, no ponto [acima da meia lua] está Svapna-Vishva, no silêncio está Svapna-Taijasa, em kala [tempo] está Svapna-Prajna, em kalatita [que está além das energias] está Svapna-Turiya, em shanti [serenidade] está Sushupti-Vishva, em shantytita [o estado final da transcendência] está Sushupti-Taijasa, em pashyanti [o nível onde a linguagem se manifesta] está Turiya-Prajna, em para [para é o nível fonte da linguagem] está Turiya-Turiya. Os quatro estados de Jagrat pertencem à letra “a”; as quatro partes de Svapna pertencem à letra “u”; as quatro partes de Sushupti pertencem à letra “m”; as quatro partes de turiya pertencem ao ardha-matra. Este é o Brahma-Pranava. É isto que deve ser adorado pelos paramahamsas,  turiyatitas e avadhutas. Através disso, Brahma é iluminado. Esta é a liberação no estado desencarnado (videhamukti)”.


5. O Senhor Brahma fez outra pergunta: “Senhor, como pode alguém que não tenha o cordão sagrado, nem o tufo de cabelo, ser uma pessoa que dispensou todas as atividades terrenas? Como pode ele estar unicamente devotado à absorção em Brahman? Como pode ele ser um Brahmana?”. 


O Senhor Vishnu (Narayana) respondeu: “Meu filho, quem possui o conhecimento do atma não-dual é quem realmente possui o cordão sagrado (i.e. o próprio conhecimento é o cordão sagrado). Sua profunda absorção na meditação é, ela mesma, o tufo de cabelo. Essa atividade em si mesma é a posse do anel santificador da erva sagrada (pavitra). Quem executa todas as ações é Brahmana, profundamente absorto em Brahman, ele é o ser iluminado (deva), ele é o sábio, ele pratica penitência, ele é o mais nobre, ele é superior a todos. Saiba que este “ele” sou Eu. 


Neste mundo, é muito raro o monge mendicante que é um paramahamsa. Se existe um, ele é eternamente puro, apenas ele é o Purusha glorificado nos Vedas. Ele, que é um homem superior (mahapurusha), repousa sua mente em mim. Eu, também, estou apenas nele. Ele está para sempre satisfeito. Está livre dos efeitos do frio e do calor, da felicidade e da tristeza, da honra e da desonra. Ele suporta o insulto e a ira. Ele não possui as seis enfermidades humanas (fome e sede, tristeza e ilusão, velhice e morte), e está livre das seis propriedades (do corpo, do nascimento, da existência, da mudança, do crescimento, da decadência e da morte). Ele não sofre intervenção (ele não está subjugado) do estado de velhice ou qualquer outro. Exceto o Eu, ele não vê mais nada. Com poucas vestimentas, sem se curvar a ninguém, nem pronunciando “Swaha”, já que ele não cultua nenhum deus, nem pronunciando “Swadha” (para beneficiar os antepassados), livre da culpa e do elogio, sem recorrer a mantras ou rituais, nem meditar em outros deuses além do Deus Supremo, abstendo-se de objetivos e de sua ausência, com todas as atividades encerradas, firmemente estabelecido na Consciência que consiste em Existência, Conhecimento e Bem-Aventurança, tendo ciência da bem-aventurança suprema, ele sempre medita no Brahma-Pranava, já que ele é apenas Brahman e, dessa maneira, ele se completa. Aquele que é assim, é um monge mendicante paramahamsa. Aqui termina o Upanishad


Om! Ó Devas, que possamos ouvir com nossos ouvidos aquilo que é auspicioso.

Que possamos ver com nossos olhos aquilo que é auspicioso, ó Vós, merecedores de adoração!

Que possamos desfrutar do período de vida concedido pelos Devas,

Louvando-os com nosso corpo e membros firmes!

Que o glorioso Indra nos abençoe!

Que o onisciente Sol nos abençoe!

Que Garuda, o raio contra o mal, nos abençoe!

Que Brihaspati nos conceda o bem-estar!

Om! Que haja Paz em mim!

Que haja Paz no ambiente!

Que haja Paz nas forças que agem sobre mim!

Aqui encerra o Paramahamsa Parivrajaka Upanishad, como contido no Atharva-Veda.

º º º 

Traduzido para o inglês por Prof. A. A. Ramanatha

Traduzido para o português por Mariângela Carvalho

Publicado pela Theosophical Publishing House, Chennai

[N. do T.: As informações em colchetes são adendos do tradutor.]

Wednesday, April 23, 2025

Akshaya Tritiya: o dia de infinitas bênçãos (30 de abril)

 


O Akshaya Tritiya é uma das datas mais significativas na tradição hindu (e também para o jainismo) e traz inúmeras bênçãos aos devotos e àqueles que se prestam a guardar e observar este dia. Sendo o terceiro dia lunar (tritiya) do mês de vaishak (abril/maio) no calendário hindu, esta comemoração recebe o nome de “akshaya” porque neste dia tudo se torna forte e frutífero, ao contrário de decadente (kshaya), assim, é uma data  propícia para beneficiar o mundo através de doações materiais (dinheiro, ajuda física, alimento) e espirituais (preces, ensinamentos). Em 2025, o Akshaya Tritiya é comemorado na quarta-feira, 30 de abril.


Neste dia, o crescimento espiritual é reforçado e a purificação facilitada devido à configuração favorável do sol e da lua no céu, que beneficiam o fortalecimento da meditação e da introspecção, além de favorável aos ganhos materiais, sendo uma data excelente para doações, compra de ouro e ajuda filantrópica.


Esta data é auspiciosa por multiplicar infinitamente as bênçãos que vêm através do serviço e da doação altruístas, ajudando-nos a superar o apego, o egoísmo e o sentimento de falta. É dito que as doações feitas em Akshaya Tritiya auxiliam a superar as doenças e o medo da morte, obter felicidades nas próximas vidas e perdão pelos erros cometidos nesta, livrar-se da pobreza, atingir a paz e a prosperidade.


A observância do Sagrado durante este dia é mencionada em algumas escrituras, como o Shiva Purana, Bhavishya Purana, Skanda Purana, Padma Purana e o Mahabharata, que, diz-se, foi ditado por Veda Vyasa a Ganesha num dia de Akshaya Tritiya. 


Algumas das histórias relacionadas a data são:


- O aparecimento de Mata Lakshmi: quando os Devas e Asuras batiam as águas do oceano em busca do néctar da imortalidade, Mata Lakshmi emergiu das águas e ficou conhecida como a deidade que concede riqueza e prosperidade;

- O nascimento de Parashurama: a sexta encarnação de Vishnu, Parashurama, apareceu neste dia;

- A oferenda de Sudama ao Senhor Krishna: em grande dificuldade e procurando abrigo em seu melhor amigo, o Senhor Krishna, o pobre Sudama O visitou levando como presente um simples bocado de arroz ressecado. Krishna, tocado pela devoção de Sudama, concede a ele riqueza e prosperidade incalculáveis;

- Yudhishthira recebe o Akshaya Patra: acredita-se que neste dia o Senhor Surya (deus do sol) concedeu a Yudhisthira um recipiente mágico, o Akshaya Patra, de onde nunca se esgota o alimento;

- Início do Mahabharata: conta-se que foi neste dia que Veda Vyasa começou a narrar o épico Mahabharata para o Senhor Ganesha;

- O aparecimento da Deusa Annapurna: Annapurna, uma manifestação de Parvati, apareceu neste dia na Terra, na frente de Shiva, oferecendo a Ele uma porção de arroz (anna);

- O início de Treta Yuga: o Bhavishya Purana afirma que Akshaya Tritiya marca o início de Treta Yuga, a segunda das quatro eras na cosmologia hindu. Isso confere ao dia uma imensa auspiciosidade, pois acredita-se que qualquer boa ação realizada nesse dia produza resultados eternos;

- A honra da Rainha Draupadi é salva: o episódio do jogo de dados no Mahabharata, quando os Kauravas tentam desnudar a Rainha Draupadi, também aconteceu em um Akshaya Tritiya. Para resguardá-la, Krishna concede a ela o Akshaya Vastra, um sari infinito que a protege do constrangimento; 

- O Rio Ganges chega à Terra: neste dia, o Rio Ganges desceu do céu para a Terra;

- Criação da cevada: é dito que a cevada surgiu neste dia, dando início à geração de uma diversidade de grãos, como o milho, a aveia e o trigo.


Com tantos significados e relevância, o Akshaya Tritiya é uma ótima oportunidade para dar início a projetos de benfeitoria, iniciar sadhanas (práticas espirituais), dedicar-se mais ao japa, renovar votos e ajudar o próximo. 

Mandukya Upanishad - português

Edvard Munch, O Sol, 1909 Sendo o mais curto dos Upanishads , o Mandukya , embora conciso em doze versos, traz a verdade última - Brahman - ...