Saturday, March 22, 2025

Jagannath Ashtakam

 


Atribuído a Sri Adi Shankaracharya, o Jagannath Ashtakam, ou Oito Versos a Jagannath, é uma ode de louvor a Sri Jagannath, literalmente o Senhor do Mundo, reforçando que apesar e além dos atributos psicofísicos, precisamos estar sempre com a mente em Deus. No texto, aceito tanto pelas escolas Advaita como Dvaita, é reforçada a premissa de meditar em Deus constantemente através da frase final de cada verso: “Que este Jagannath Swami seja o objeto de minha visão”. É dito que Shankaracharya, sabidamente um não-dualista muito devocional, compôs tais versos quando visitou Puri, a cidade de Jagannath, e de tão primorosos, tais versos foram posteriormente recitados por Sri Chaitanya Mahaprabhu, o avatar de Krishna que veio como um discípulo de si mesmo, ou seja, um dualista. O mérito de recitar o Jagannath Ashtakam cuidadosamente é o de tornar-se sem pecados, puro de coração e conquistar a entrada em Vishnuloka. 


Baixe em PDF: Academia.edu.

º º º


1. Por vezes, com grande alegria, o Senhor Jagannath, com Sua flauta, promove concertos altos nos bosques às margens do Yamuna. Ele é como a abelha que saboreia as lindas faces de lótus das donzelas vaqueiras de Vraja, e Seus pés de lótus são adorados por grandes personalidades como Lakshmi, Shiva, Brahma, Indra e Ganesha. Que este Jagannath Swami seja o objeto de minha visão. 


2. Em Sua mão esquerda, o Senhor Jagannath segura uma flauta. Em Sua cabeça, Ele usa penas de pavão e em Seus quadris, Ele veste um tecido de fina seda amarela. Do canto de Seus olhos, Ele concede prolongados olhares a Seus amados devotos e sempre revela a Si mesmo através de Seus jogos em Sua morada em Vrindavana. Que este Jagannath Swami seja o objeto de minha visão. 


3. Residindo na costa do grande oceano, com um imenso palácio situado no cume do brilhante e dourado monte Nilachala, junto de Seu poderoso irmão, Balabhadra [Balaram], e no meio Deles, a irmão Subhadra, o Senhor Jagannath concede a oportunidade do serviço devocional a todos os de alma piedosa. Que este Senhor Jagannath seja o objeto de minha visão.


4. O Senhor Jagannath é um oceano de misericórdia e belo como nuvens escuras de chuva enfileiradas. Ele é o depósito de bem-aventurança para Lakshmi e Saraswati, e Sua face é como um lótus totalmente desabrochado e imaculado. Ele é adorado pelos melhores semideuses e pelos sábios, e Suas glórias são entoadas nos Upanishads. Que este Jagannath Swami seja o objeto de minha visão.


5. Quando o Senhor Jagannath se encontra em sua carruagem de Ratha-Yatra e Se desloca pela estrada, a cada passo há a demonstração de louvores e canções entoados por um vasto público de brâmanes. Ao ouvir seus hinos, o Senhor Jagannath fica muito inclinado a eles. Ele é o oceano de misericórdia e o amigo verdadeiro em todos os mundos. Que este Jagannath Swami, junto com Sua consorte, Lakshmi, nascida do oceano de néctar, sejam o objeto de minha visão.


6. Ele é o adereço na cabeça do Senhor Brahma, e Seus olhos são como as pétalas desabrochadas do lótus. Ele reside no monte Nilachala, e Seus pés de lótus estão colocados sobre as cabeças de Ananta Deva*. O Senhor Jagannath é dominado pela doçura do amor e alegra-Se ao abraçar o corpo de Sri Radharani, que se parece com a água fresca. Que este Senhor Jagannath seja o objeto de minha visão.


7. Eu não rezo por reino, nem por ouro, rubis ou riqueza. Eu não peço por uma linda e excelente esposa que seja cobiçada por todos os homens. Eu simplesmente rezo para que Jagannath Swami, cujas glórias são sempre cantadas pelo Senhor Shiva, seja o objeto constante de minha visão.


8. Ó, Senhor dos semideuses, por favor, remova rapidamente esta inútil existência material que estou tendo. Ó, Senhor dos Yadus, por favor, destrua este vasto oceano de pecados que não tem limite. É certo que os pés de lótus do Senhor Jagannath são concedidos àqueles que se sentem caídos e não têm abrigo neste mundo a não ser Nele. Que este Senhor Jagannath seja o objeto de minha visão. 


A alma controlada e virtuosa que recita estes oito versos glorificando o Senhor Jagannath se purifica de todos os pecados e prossegue para a morada de Vishnu.


Aqui termina o hino de oito versos Jagannath Ashtakam, composto por Ari Shankaracharya. 


*Ananta Deva é uma expansão do primeiro avatar de Vishnu, Balarama, e é uma serpente com mil cabeças. 

Sunday, March 16, 2025

Turiyatita Avadhuta Upanishad

 


Turyiatita Avadhuta é mais um dos Upanishads categorizados como Sannyasa Upanishad, aqueles que tratam da renúncia e do renunciante. Este manuscrito descreve o Avadhuta (uma categoria de renunciante): aquele que se fundiu totalmente à não-dualidade do Atma/Paramatma, atingindo o estágio de jivanmukta (aquele que se libera ainda no corpo físico).


Baixe em PDF: Academia.edu.

º º º

Om! Brahman é o Absoluto, este universo é o Absoluto.

Do absoluto surge o absoluto.

Retirando o absoluto do (universo) absoluto,

Resta apenas aquele Brahman absoluto.

Om! Que haja paz em mim.

Que haja paz no ambiente.

Que haja paz nas forças que agem sobre mim.


1. Agora, o avô de todas as pessoas, o deus Brahma, aproximou-se respeitosamente de seu pai, Adinarayana (o Senhor Vishnu), e questionou: “Qual é o caminho dos Avadhutas após atingir o estado de turiyatita, e quais são seus posicionamentos?”. 


A ele, o Senhor Narayana respondeu: “Os sábios consideram aquele que permanece no caminho de Avadhuta muito raro no mundo e eles são poucos. Aquele que se torna um Avadhuta é para sempre puro, por certo, ele é a personificação do desapego; ele é a forma visível da sabedoria e é certamente a personificação dos Vedas (Vedapurusha). Ele é verdadeiramente um grande homem, uma vez que sua mente habita apenas em mim. De fato, eu, também, habito nele. No devido tempo, tendo primeiramente se tornado um asceta que vive numa cabana (kutichaka), ele atinge o estágio de monge mendicante (bahudaka); o monge mendicante atinge o estágio de um hamsa (cisne); o hamsa então se eleva ao mais alto tipo de asceta, o paramahamsa. Neste estágio, através da introspecção, ele percebe o mundo todo como não diferente de seu próprio Ser; renuncia todas as posses pessoais e se desfaz delas em um reservatório de água, objetos como seu emblemático cajado, a tigela de água, o cordão amarrado na cintura, tecidos que cobrem suas partes íntimas e todas as tarefas ritualísticas que fazia em estágios anteriores; ele se torna despido (lit. vestido pelos pontos cardeais); abandona até mesmo a aceitação de uma vestimenta de casca de árvore descolorida e desgastada, ou de pele de veado; comporta-se posteriormente (após o estágio do paramahamsa) como alguém que não está sujeito a nenhum mantra (ou seja, não realiza rituais), deixa de fazer a barba, o banho de óleo, a marca perpendicular de pasta de sândalo na testa, etc.


2. Ele dá fim a todos os deveres religiosos e seculares; livra-se do mérito religioso em todas as situações; abandona tanto o conhecimento quanto a ignorância; conquista a influência do frio e do calor, da alegria e da tristeza, da honra e da desonra, já tendo outrora se queimado com a influência latente do corpo (vasana) com censura, elogio, orgulho, rivalidade, ostentação, arrogância, desejo, ódio, amor, raiva, cobiça, ilusão, alegria exacerbada, intolerância, inveja, apego à vida, etc.; ele vê seu próprio corpo como um cadáver; torna-se equânime sem esforço ou restrição ao ganhar ou perder; mantendo sua vida com comida colocada em sua boca como um vaca; satisfeito com a comida, já que ela surge sem que haja um desejo ardente por ela; ele reduz a cinzas o aprendizado e a erudição; guarda sua conduta sem alardear seu nobre modo de vida, negando a superioridade ou inferioridade de alguém; firmemente estabelecido na não-dualidade do Ser, que é o mais alto princípio de todos e que compreende tudo dentro de si; acalentando a convicção de que “Não há nada diferente de mim”; intocado pela tristeza; não responsivo à alegria terrena; livre do desejo por afeição; desapegado de qualquer momento, o auspicioso e o inauspicioso; com o funcionamento de todos os sentidos paralisados; sem se importar com a superioridade de sua conduta, aprendizado ou mérito moral (dharma), adquiridos nos estágios anteriores de sua vida; abandonando a conduta que condiz com sua casta e estágio de vida (vanaprastha); sem sonho, já que noite e dia são o mesmo para ele; sempre em movimento em todos os lugares; ficando apenas com o corpo que sobrou para si; sua tigela de água sendo o único local para saciar a sede; sempre sensato e vagueando sozinho, como se fosse uma criança, um louco ou um fantasma; sempre observando o silêncio e meditando profundamente em seu Ser, ele tem como apoio o sem-suporte, Brahman; esquecendo-se de tudo em consonância com a absorção em seu Ser, este sábio Turiyatita, ao atingir o estágio Avadhuta do ascetismo e completamente absorto na não-dualidade do Atma, finalmente se livra do corpo, uma vez que se tornou um com o Om (Pranava): tal asceta é um Avadhuta, ele cumpriu com o propósito da vida”. Aqui termina o Upanishad.


Om! Brahman é o Absoluto, este universo é o Absoluto.

Do absoluto surge o absoluto.

Retirando o absoluto do (universo) absoluto,

Resta apenas aquele Brahman absoluto.

Om! Que haja paz em mim.

Que haja paz no ambiente.

Que haja paz nas forças que agem sobre mim.


Aqui termina o Turiyatita Avadhuta Upanishad, como contido no Sukla Yajur Veda.


º º º

Traduzido para o inglês por Professor A.A. Ramanathan

Traduzido para o português por Mariângela Carvalho

Publicado pela Theosophical Publishing House, Chennai


Saturday, March 8, 2025

Franny Glass, a Oração Contínua do Peregrino Russo e o Vedantismo de Salinger

 

Franny Glass - David Richardson


O controverso autor norte-americano J.D. Salinger não foi apenas um doidão recluso que lutava contra a fama e a invasão de sua privacidade. Tocado pelos ensinamentos e pela vida de Sri Ramakrishna e Swami Vivekananda, o escritor foi fisgado pela Vedanta por volta da década de 50 do século passado - ainda antes do lançamento de seu best seller, O Apanhador no Campo de Centeio -, após passar alguns anos estudando Budismo. E foi o conhecimento do monismo e da renúncia que o levou a se “retirar” da sociedade, isolando-se em New Hampshire e deixando as badalações de Nova York, onde nasceu e cresceu, tendo morado muito próximo da Vedanta Society de lá, a mesma fundada por Vivekananda em 1894. Com tal proximidade física, a proximidade psíquica foi rápida e generosa com Salinger, uma vez que foi com a Vedanta e ensinamentos de Ramakrishna que ele se “libertou” da escravidão da fama (e dos frutos dela), da qual nunca fora muito adepto de qualquer maneira. A conexão de Salinger com a Ordem Ramakrishna é notória e inclusive retratada em filmes biográficos recentes, como Rebel in The Rye e Salinger.




A influência do pensamento espiritual asiático nos romances de Salinger é percebida a todo momento em sua escrita. Seus personagens estão sempre às voltas com questões filosóficas sobre Deus, karma, reencarnação e até a necessidade da prática de recitação de mantras, chamado japa. É nesta sadhana, a repetição de mantra, que está fundada uma das estórias de Salinger que mais explicitam a influência do pensamento hindu: o conto sobre a garota Franny Glass, personagem do livro Franny & Zooey, que se vê totalmente cativada pelo livro O Caminho do Peregrino Russo e pela sadhana adotada pelo peregrino, que aprende e ensina como repetir o Santo Nome o tempo todo através do mantra cristão “Senhor Jesus, tende piedade de mim”. Enfeitiçada pelo poder desta oração, Franny, em dado momento da estória, afirma que os relatos das peregrinações são a melhor coisa que ela já leu. A maneira como Salinger conecta o livro russo às inquietudes místicas da jovem Franny é muito singular e dotado de uma visão permeada pelos ensinamentos hindus, como fica claro nesses trechos em que ela explica ao namorado, Lane, o significado da oração constante:


(...)


Franny: - Como eu dizia, o peregrino… o tal camponês simplório… decidira fazer a peregrinação para descobrir o que a Bíblia quer dizer quando afirma que temos a obrigação de rezar o tempo todo. E então encontrou esses estarostes… aquelas pessoas muito sabidas em religião de que já falei e que não faziam outra coisa há anos e mais anos senão estudar a Philokalia


(...)


Franny: - O estaroste com quem o peregrino falou referiu-se, antes de mais nada, à Prece de Jesus. Você sabe como é, não? “Senhor Jesus Cristo, tende piedade de mim.” E foi tudo, quer dizer, o estaroste explicou-lhe que essas são as melhores palavras que se pode usar quando se reza. Especialmente a palavra “piedade”, porque é realmente uma grande palavra e pode significar uma porção de coisas. Quer dizer, não significa apenas piedade. 


(...)


Franny: - O estaroste disse ao peregrino que se ele repetisse constantemente essa prece - no princípio, basta apenas murmurá-la, com um movimento imperceptível dos lábios - então, o que acaba ocorrendo é que a prece adquire vida própria. Acontece alguma coisa, não sei o que é, mas acontece. E as palavras ficam sincronizadas com as batidas do coração e é então que uma pessoa se encontra realmente rezando sem parar - quase sem se dar conta -, o que tem um efeito esmagadoramente místico em todas as nossas concepções. E é isso que é o objetivo da coisa: recitamos a prece para purificar as ideias e obter uma concepção inteiramente nova sobre o significado de tudo o que nos cerca. 


(...)


Franny: - Mas o mais maravilhoso de tudo é que, quando se começa, não é preciso sequer ter fé no que estamos fazendo. Mesmo que a gente se sinta terrivelmente confuso com tudo isso, não tem importância nenhuma. Quer dizer, não estamos ofendendo ninguém nem coisa nenhuma. Em outras palavras, ninguém exige que você acredite em coisa alguma quando começa. Nem é preciso pensar sobre o que estamos dizendo, afirmava o estaroste. No princípio, tudo o que é preciso é a quantidade. Então, mais tarde, ela mesma se converte em qualidade. Graças a sua própria energia ou uma coisa assim. Afirmava ele que qualquer dos nomes de Deus… qualquer deles.. possui essa força própria e autogeradora, que é a atividade, e começa agindo assim que nos entregamos à oração.


(...)


Franny: - Na verdade, a coisa faz sentido, porque nas seitas Nembutsu do Budismo, as pessoas dizem repetidamente “Namu Amida Butsu”, o que quer dizer “Louvado seja Buda”, ou coisa parecida… e a mesma coisa acontece. Exatamente a mesma coisa…


(...)


Franny: - A mesma coisa acontece, na Nuvem do Desconhecido. Só com a palavra “Deus”. Basta repetir o tempo todo “Deus”. Ela encarou Lane mais diretamente do que antes. - Você já tinha ouvido falar de coisa mais fascinante em toda sua vida, hein? É muito difícil afirmar que não passa de mera coincidência e ficar por aí… É isso que me parece tão fascinante. Pelo menos, parece-me terrivelmente…..


Interrompeu-se. Lane revolvia-se na cadeira e havia no rosto dele uma expressão, um arquear muito especial das sobrancelhas, que ela conhecia muito bem.


Franny: - O que há?


Lane: - Você realmente acredita em toda essa estória?


Franny estendeu a mão para o maço de cigarros e tirou outro.


Franny: - Eu não disse que acreditava nem que deixava de acreditar, replicou, segurando a caixa de fósforos. Só disse que era um negócio fascinante. 


Lane acendeu-lhe o cigarro.


Franny: - Penso que é uma coincidência muito estranha - teimou ela, soprando para o ar uma baforada do cigarro -, a gente encontrar tantas vezes esse gênero de conselhos. Quer dizer, o conselho dessas pessoas religiosas realmente esclarecidas e sem aquelas palhaçadas que todos nós conhecemos. E, afinal de contas, qual é o conselho? Se repetirmos infatigavelmente o nome de Deus, alguma coisa nos acontece. Até na Índia acontece. Na Índia, eles aconselham que meditemos sobre o “Om”, que quer dizer a mesma coisa, realmente; e exatamente o mesmo resultado tem de acontecer. Por isso é que eu digo que não pode racionalizar a coisa e passar adiante… 


Lane: - Afinal de contas, qual é o resultado?


Franny: - O que?


Lane: - Estou perguntando qual é o resultado que deve supostamente seguir-se. Todo esse negócio de sincronização e de superstição sem pé nem cabeça. Estou vendo que isso não te faz bem ao coração. Não sei se você sabe disso, mas qualquer pessoa pode fazer a si própria uma…


Franny: - Você consegue ver Deus!, cortou Franny. Alguma coisa acontece na parte absolutamente não-física do coração, onde os hindus afirmam que o Atma reside, se é que você entende alguma coisa de religião. E então vemos Deus. É só isso. 


(...)


O impacto do clássico russo na mente de Salinger se deu após o próprio autor começar a praticar sadhanas e entender o poder da repetição de mantras, além de se tornar um assíduo nas aulas e retiros da Vedanta Society. Tendo recebido iniciação de Swami Nikhilananda, Salinger manteve relações muito próximas com as atividades do ashrama nova-iorquino e os ensinamentos que recebeu mudaram sua concepção de mundo.


Por ser um mestre-nato da literatura juvenil, Salinger levou para seus escritos inúmeros insights vedantistas e orientais vividos por jovens personagens complicados, incompreendidos e dotados de certa “loucura divina”, ou, um grande anseio por descobrir o sentido da existência e por compreender o Sagrado.


A questão do Sagrado sustenta todas as obras de Salinger que já foram publicadas e está presente em maior ou menor grau em todas as suas narrativas, dando ao público uma literatura com muitos significados e joias espirituais deixadas subliminarmente nas linhas que compõem suas diversas estórias.   


[Trechos da versão em português de Franny & Zooey, Editora do Autor.]

Sunday, February 23, 2025

Desvendando o Místico Ponto Entre As Sobrancelhas - Parte 2

 


[Continuação]

Mandala Brahmana Upanishad

2. O corpo tem cinco manchas: paixão, raiva, expiração, medo e sono. A remoção destas pode ser afetada respectivamente pela ausência de sankalpa [intenção], perdão, alimentação moderada, cuidado e uma visão espiritual dos tattvas [princípios cósmicos]. Para cruzar o oceano de samsara, onde o sono e o medo são as serpentes, a injúria e outras emoções correlatas são as ondas, trishna (sede) é o redemoinho e a esposa é a lama, deve-se aderir ao caminho sutil e ultrapassar tattvas e outros gunas para buscar por taraka. Taraka é Brahman, que, estando no meio das duas sobrancelhas, é da natureza da refulgência espiritual de Sat Chit Ananda. 


3. Saiba que o Yoga é duplo através de sua divisão em purva (anterior) e uttara (posterior). O anterior é Taraka e o posterior é Amanaska (o sem mente). Taraka é dividido em murti (com limitação) e amurti (sem limitação). O Murti Taraka vai até o fim dos sentidos (ou existe até os sentidos serem conquistados). O Amurti Taraka vai além das duas sobrancelhas (acima dos sentidos). Ambos devem ser realizados através da mente. Antar-drishti (visão interna) associada com manas vêm para ajudar Taraka. Tejas (luz espiritual) aparece no buraco entre as duas sobrancelhas. Este Taraka é o anterior. O posterior é amanaska. A grande jyoti (luz espiritual) está acima da raiz do palato. Ao vê-la, obtém-se os oito siddhis. Sambhavi-mudra ocorre quando lakshya (visão espiritual) é interna, enquanto os olhos (físicos) estão vendo externamente sem piscar. Esta é a grande ciência que está oculta em todos os Tantras. Quando isso é conhecido, não se permanece em samsara. Sua adoração (ou prática) traz a salvação. 


Sandilya Upanishad


9. O Siddha [o praticante que possui siddhis] deve sentar-se confortavelmente com o corpo ereto, pressionar o períneo com o calcanhar esquerdo e colocar o calcanhar do pé direito acima do órgão genital, concentrando a mente entre as duas sobrancelhas.


16. Ao ter a exposição da Vedanta, deve-se começar a praticar Yoga. No começo, faça adoração a Vinayaka (Ganesha), saúde seu Ishta-Devata (divindade escolhida) e sente-se em qualquer uma das posturas acima mencionadas em um assento macio, voltado para o leste ou o norte e, tendo praticado-as com êxito, o homem erudito, mantendo sua cabeça e pescoço eretos e fixando seu olhar na ponta do nariz, deve ver a esfera da lua entre suas sobrancelhas e beber o néctar (fluindo dela através de seus olhos).


48-50. Quando a consciência (samvit) é fundida em prana e quando, através da prática o prana passa pelo buraco superior para o dvadasanta (o décimo segundo centro) acima do palato, então as flutuações de prana são interrompidas. Quando o olho da consciência (ou seja, o espiritual ou terceiro olho) se torna calmo e claro de modo a ser capaz de ver distintamente no akasa transparente, a uma distância de doze dígitos da ponta do nariz, então as flutuações de prana são interrompidas. Quando os pensamentos que surgem na mente são vinculados à contemplação calma do mundo de taraka (estrela ou olho) entre as sobrancelhas e são (assim) destruídos, então as flutuações cessam.


60-61. Quando a língua tiver sido alongada até o comprimento de um kala (dígito) através da incisão do frênulo, esfregando e umedecendo-o (ou seja, a língua), fixe o olhar entre as duas sobrancelhas e feche o buraco do crânio [a cavidade nasal] com a língua invertida. Este é Khechari-mudra. A língua e chitta (mente) se movem no akasa (khechari), então a pessoa com sua língua levantada se torna imortal. 


Yoga Kundalini Upanishad


Capítulo 1


7. Shakti é Kundalini. Um homem sábio deve levá-la de sua morada (ou seja, o umbigo) para cima até o meio das sobrancelhas. Isso é chamado Sakti-Chala.


68-69(a). Então, ela sobe imediatamente através de Vishnugranthi [o “nó de Vishnu”, que é uma obstrução de energia no caminho percorrido pela kundalini; encontra-se na região do chakra cardíaco e impede o avanço da devoção e amor incondicionais] até o coração. Ela então sobe através de Rudragranthi [o “nó de Rudra”, outra obstrução, ou nó, que a kundalini deve superar em seu caminho do umbigo até a cabeça; este nó compromete a elevação espiritual; está localizado na região do chakra ajna]  e acima dele até o meio das sobrancelhas; tendo perfurado este lugar, ela sobe até a mandala (esfera) da lua.


Saubhagya Lakshmi Upanishad


III-9: A nona é a roda do espaço. Há o lótus com dezesseis pétalas, voltado para cima. Seu pericarpo no meio tem o formato dos "picos ondulados" (o centro das sobrancelhas). Em seu centro, deve-se meditar sobre o poder ascendente, o vazio supremo. De fato, este é o assento do "monte completo", o instrumento de realização de todos os desejos.

Monday, February 17, 2025

Sri Ramakrishna - Instrutor do Mundo

 


Mais um aniversário de Sri Ramakrishna é comemorado neste 18 de fevereiro. O advento de Thakur só pode ser explicado através da Graça Divina, que fez descer à Terra mais um jagat guru, o instrutor do mundo, epíteto dado a Ramakrishna e também a Krishna. Krishna instrui os homens através de Seus passatempos no campo de batalha e no campo do amor supremo, e Ramakrishna instrui como se chega a Krishna e como se tornar um com Ele. Sri Ramakrishna, chamado de “o louco de Deus”, afirmou aquilo que apenas um avatar poderia: que Deus é tanto pessoal quanto impessoal, tanto Brahman quanto Sua energia, tanto o espírito quanto a matéria - uma sanidade capaz de abalar muitas mentes daquela época e do contemporâneo. Uma instrução primordial que Ele deixou foi: “Tudo isso [referindo-Se às conversas filosóficas] não leva a nada. Apenas Deus pode dizer o que Ele é”, afinal, apesar dos constantes debates entre os distintos ramos da Vedanta, no fim, apenas o próprio Deus poderia concluir quem ou o que Ele realmente é, se com forma ou sem forma, se dualista ou monista, se é pai ou se é mãe. Sri Ramakrishna é o paradoxo de um pandit quase iletrado, tudo que sabe vem de dentro, não é livresco, é real, dotado com uma força e conhecimento inatos, uma renúncia sem igual, um verdadeiro Paramahamsa. Sri Ramakrishna instruiu discípulos monásticos, chefes de família e muitas mulheres. Sua adoração à Mãe Divina colocava a energia feminina de Deus em primeiro plano, assim Ele instruiu para que o aspecto Shakti de Deus fosse adorado e levado em consideração. Para praticarem o amor à Mãe Divina, Ele trouxe Sri Sarada Devi, a personificação de Shakti, para perto dos devotos de então e para outros inúmeros que tomaram refúgio aos pés Dela futuramente. As instruções Dele ecoam até hoje, 189 anos após Sua vinda, porque com elas é possível decifrar Deus e Seus poderes, Sua ilusão, Seus jogos. O que Ramakrishna deixou ao mundo foram instruções de como se tornar o açúcar, não apenas experimentá-lo, ou: ser como Deus, não apenas idealizá-Lo.

Wednesday, February 12, 2025

Desvendando O Místico Ponto Entre As Sobrancelhas - Parte 1

 


O ponto entre as sobrancelhas é um lugar místico para os yogues e sábios, indo além das tradições hindus e budistas para ser um ensinamento também no taoismo e cristianismo. Este ponto é uma intersecção entre mundo material e mundo espiritual, e dotado de imensa força psíquica. Há diversas meditações prescritas focando neste ponto e preceitos que instruem este ponto em específico como um dos focos do praticante - além do ponto de concentração no coração. 


Localizado entre as sobrancelhas, este ponto místico é reconhecido como uma porta entreaberta para a consciência plena e elevada, sendo que abrir completamente tal porta depende da prática de purificação do aspirante. Este ponto marca o centro do encontro entre uma linha horizontal (que simboliza o mundo físico) e uma vertical (que simboliza o divino). Tal intersecção é fonte de expansão psíquica e introspecção.


A este ponto são atribuídas denominações como chakra ajna, terceiro olho e/ou glândula pineal, mas independente de se tentar categorizar este ponto de energia, ele é um centro para a força da intuição, da inspiração e das sugestão espirituais (no sentido mediúnico do termo). 


Muito tratado como o “olho espiritual”, este ponto é mencionado no Evangelho de Mateus, quando é dito: “A luz do corpo é o olho. Se, portanto, seu olho for bom, todo o seu corpo se encherá de luz”, o que tutela este ponto como a residência da chispa divina, o “local” onde nosso espírito “reside” no corpo. Este ponto deve ser meditado e é indicado por tradições taoistas como o melhor ponto para que o espírito deixe o corpo no momento da morte. Para eles, há vários pontos por onde o espírito deixa o corpo quando este morre, dentre eles estão os olhos, ouvidos, boca, nariz, moleira e órgãos genitais, além do ponto entre as sobrancelhas, indicado como “a melhor saída do espírito”.


Nos hinduísmos (o que agrega todas as denominações, como shaktas, shaivas, vaishnavas, etc.), a região do ponto está sempre belamente adornada com joias, bindhis, kumkum, tilaka e demais adereços. É neste ponto que devemos focar (além do coração) quando fazemos reverências tocando a cabeça no chão diante das deidades. 


Há inúmeras passagens nos Upanishads que referenciam este ponto como uma chave na vida e na sadhana do aspirante, dada a importância de que o praticante “descubra” a função deste ponto em sua purificação espiritual. 


º º º

Nada Bindu Upanishad

4. Em seu coração [do aspirante], está situado Janoloka [dimensão do conhecimento]; Tapoloka em sua garganta [dimensão da austeridade, meditação e presença divina]; e Satyaloka [ou Brahmaloka, dimensão de Brahma, o criador] no centro da testa, entre as sobrancelhas. 


Dhyana Bindu Upanishad

32-34(a). Então, através da expiração, deve-se meditar sobre o Shiva de três olhos entre as duas sobrancelhas, brilhando como um cristal puro, imaculado, destruindo todos os pecados, sendo como um lótus voltado para baixo, com sua flor (ou face) para baixo e o caule para cima, ou como a flor de uma bananeira, sendo da forma de todos os Vedas, contendo cem pétalas e cem folhas e tendo o pericarpo totalmente expandido.


39. Tendo feito a posição de lótus da forma de Ardha-Matra [o estado espiritual mais elevado, sem qualidades] deve-se puxar a respiração através do caule (dos canais susumna, ida e pingala) e absorvê-la no meio das sobrancelhas.


40. Ele [o praticante] deve saber que o meio das sobrancelhas na testa, que também é a raiz do nariz, é a sede do néctar. Essa é a grande morada de Brahman.


Yoga Tattva Upanishad

24(b)-25. Agora ouça sobre Hatha Yoga. É dito que esta Yoga possui os seguintes oito preceitos: yama (tolerância), niyama (observância religiosa), asana (postura), pranayama (supressão da respiração), pratyahara (subjugação dos sentidos), dharana (concentração), dhyana, a meditação e contemplação em Hari no meio das sobrancelhas, e samadhi, que é o estado de igualdade.


94(b)-96. Do coração até o meio das sobrancelhas é conhecido como a região de vayu [o elemento ar]. Vayu tem formato hexagonal, cor preta e brilha com a letra “ya”. Levando a respiração ao longo da região de vayu, deve-se contemplar Ishvara, o Onisciente, como possuindo faces em todos os lados; e praticando Dharana ali por duas horas, entra-se em vayu e então em akasha [o elemento espaço].


97-98(a). O Yogi não encontra sua morte por medo de vayu. Do centro das sobrancelhas até o topo da cabeça é dito ser a região de akasha, que é circular no formato, tem cor esfumaçada e brilha com a letra “ha”.


117(b)-118(a). Com a língua enfiada na cavidade interna da cabeça (ou garganta) e com os olhos fixos no ponto entre as sobrancelhas, isso é chamado Khechari-Mudra.


Yoga Chudamani

82. O Hamsa Mantra (mantra do cisne) brilha no entremeio dos dois olhos; a letra “sa” [em hamsa] é conhecida como kechari, que significa “aquilo que viaja pelo céu”. É consentido que “sa” equivale à palavra “tvam” (tu) no famoso dizer védico “Tat Tvam Assi”, “você é Aquilo”.


Tripura Tapini Upanishad

1.1: Agora, nesta esfera de ignorância, o Senhor Sadashiva, assumindo os disfarces de Prajapati, Vishnu e Rudra, vem a ser denominado Deusa Tripura. Por Seu Poder primordial são moldadas as três moradas – a terra, a atmosfera e os céus, ou os céus, a terra e o mundo inferior. Na forma da sílaba-semente “hrim”, idêntica à ilusão de Hara [Shiva], a divina Hrillekha permeia, com Seu terrível poder, o cume dos três picos, acima da junção das duas sobrancelhas, o assento de equilíbrio dos três gunas, e a região onde o mundo dos objetos é dissolvido. Esta mesma divindade é chamada Tripura.


[Continua]

Jagannath Ashtakam

  Atribuído a Sri Adi Shankaracharya, o Jagannath Ashtakam , ou Oito Versos a Jagannath , é uma ode de louvor a Sri Jagannath, literalmente ...